terça-feira, 16 de setembro de 2014

A INDÚSTRIA DA FÉ

    Uma das grandes preocupações que marcaram minha vida foi a exploração do povo pelos mercadores da fé. Jamais consegui compreender o porquê do cinismo de milhões de líderes religiosos que enriquecem por sugar o sangue e a individualidade dos ingênuos. Há os que matam o corpo, mas também existem os que desmantelam os sonhos e a alegria daqueles que um dia colocaram suas vidas aos pés de uma divindade ou de qualquer um livro convencionado santo.
    Em 2007, publiquei A indústria da fé, que foi a confirmação escrita dos rumos ontológicos e existenciais tomados por mim nos últimos vinte anos. Pelo temor do desconhecido, fiquei silente por anos a fio. Vítima que fui no passado da escravidão do sectarismo, explorado pelos abutres que permeiam o mundo da fé, achei que era o momento de denunciar o tráfico fideísta, o marketing da fé, que se desenvolve como metástases nos dias de hoje.
    Neste livro, mostro ao público o encarceramento do nosso mundo perceptivo, imposto pela mentira de séculos - o sectarismo. Justamente esse nosso mundo perceptivo, de que tanto nos gabamos, na maioria das vezes, não passa de um imenso desvio cognitivo... Desvios que se instalam na mente e, através da confirmação emocional da crença, causam estragos irreversíveis à nossa existência.  

Meu livro de filosofia crítica da religião - publicado em 2006
 
    A partir desta obra, interessei-me pela filosofia de uma forma definitiva. Diga-se de passagem, com foco acentuado na filosofia crítica da religião. Em breve, estará disponível meu segundo trabalho do gênero, já concluído, onde faço uma análise minuciosa da origem do judaísmo, do cristianismo e da própria Bíblia. Sobretudo, da finalidade do clero em perpetuar a teocracia através dos séculos...
    Sobre a capa acima, parti de um design simplificado e, ao invés de usar um trabalho meu, preferi que contivesse a obra de um dos artistas do século dezenove que mais admiro: Honoré Daumier. Gênio do desenho, jamais usou modelos para as suas composições. Era tudo de memória mesmo! O improviso, o imprevisto, o patético... Um verdadeiro mergulho na existência humana - do sofrimento extremo ao teatro do mundo. Escolhi a presente aquarela, que bem ilustra o conteúdo do meu livro, a comédia do fanatismo religioso. Daumier desnuda os atores principais e coadjuvantes que montaram o palco das nossas representações religiosas.  Um artista que suportou uma vida de pobreza, fazendo ilustrações para o jornal francês Le charivari, explorado descaradamente, a ponto de não ter como pagar o aluguel da sua moradia... Não fosse a amizade do grande Monet, que lhe presenteou com uma casinha simples, onde viveu até os últimos dias, teria morrido de fome. Entretanto, apesar das adversidades, legou-nos uma obra monumental, impossível de ser ignorada pelos que propagam a ritualização do sem sentido.
 
Daumier - "Le peintre" - aquarela

Daumier - "La comedie française" - aquarela, crayon e giz

Daumier - "La gare Saint Lazare" - aquarela e crayon
 
Daumier - "O vagão de terceira classe" - óleo s/ tela
 
Daumier - "Connoisseurs" - aquarela e crayon contè
 
Daumier - "O vagão de terceira em 1860" - óleo s/ tela

Daumier - "Conselhos a um jovem pintor" - óleo s/ tela
 
 

 

A PENSÃO SERRANA

    Passava o ano de 1970 e eu não deixava de subir a serra de Teresópolis a cada fim de semana para ver minha namorada, com quem me casei. O roteiro era repetido - hospedava-me na Pensão Serrana do Celso Moreira. Um casarão antigo que ficava de cara para a pracinha do Alto, o bairro que era encantado na época. Até pela estação do trem, construída ali no passado. Certa feita, quando chegava do Rio, ao aproximar-me da entrada da pensão, assim chamavam as pousadas de ontem, ouvi a melhor interpretação da Polonaise em lá maior de Chopin desde que conheci a música. Era um pianista que se hospedava na casa sempre no início do inverno. Disseram-me que se tornara famoso na Europa, de onde fugira por causa da guerra. Mesmo no piano exausto do casarão, o velho músico operava maravilhas...
    Mas o ponto alto da pensão para mim, além de infinitos quadros de qualidade nas suas salas, eram as obras de Manoel Madruga. Grande mestre da pintura brasileira, nascido em Teresópolis, em 1872. Sua formação fora impressionante, pois tivera a sorte de sair do Brasil para estudar na École de Beaux Arts de Paris e na Academie Julien. Aluno de Jean-Paul Laurens - um dos maiores pintores de História de todos os tempos -, de Henri Rochefort e de Marcel Baschet, todos corifeus da escola pompier. Recuso-me a falar mais.
    Entrar na Pensão Serrana era um voo metafísico. Então, invariavelmente, depois de deixar minha bagagem no quarto, deslizava até um canto do salão, atrás de uma escada, onde ficavam as aquarelas históricas de Madruga... Naquela luz quebrada do canto mágico, eu passava muito tempo olhando as jóias nas molduras de vidro. Sentia-me como se estivesse num hall silencioso do Museu de Leningrado, iluminado por um vitral diminuto.
    No salão, também podiam ser vistos vários quadros a óleo de Madruga e alguns de grandes dimensões. Mas as aquarelas... É isso mesmo. Temas de época. Justamente no momento da vida em que conheci o meu mestre Ivan Wasth Rodrigues. Poucos anos depois, aquela pinacoteca desapareceu. Só santo Antão pode dizer onde foram parar todas as obras de arte... Quanto a mim, ficou a lembrança de um tempo que poucos se importavam com a Polonaise de Chopin e sabiam viver de verdade. Sobraram-me quatro fotos em preto e branco que tirei no local. Não sei se a memória do cheiro existe, mas o da pensão permanece até hoje.
 
Manoel Madruga "La poule au pot" - aquarela

Manoel Madruga "O cerco da cidadela" - aquarela
 
Manoel Madruga "A taça de vinho" - aquarela
 
Manoel Madruga "Beco medieval" - óleo sobre tela
 
 




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