terça-feira, 23 de setembro de 2014

O INCRÍVEL ARQUITETO

    Este é o meu filho mais novo que hoje ficou mais velho, Sérgio Donatello... Parabéns por hoje e pelo que você é! Meu filho veio ao mundo com um vírus muito perigoso, o da arte... Mas ele é muito bom. Com ele está a minha nora linda e a abelhinha que ela carrega representa o meu neto Matheus, que chega no início do ano próximo! Agora, quero postar três desenhos de um super arquiteto que, antes de tudo, é artista de verdade. Um banho de felicidade, meu filho.
 
"Filhão"...

Sérgio e Cláudia na "Toca Terê" - 2014
 
 
"Sonho" - desenho

"Nu" - desenho

"Scanner" - desenho

Buscando inspiração no Louvre...


 
    Embora o dia de hoje seja do Arquiteto, aqui também está o meu filho mais velho, Daniel, com a minha outra nora linda, na Fontana di Trevi. Este também esbanja de artista, mas guardou os pincéis na gaveta por enquanto... Nem o Prince of Wales tinha tanto charme na idade do meu filho...
 
 



 
  
 
  

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O ARQUIVO DO TEMPO

    Nessa história de remexer em coisas do once upon a time, e todos nós passamos por isso, resolvi postar alguns quadros que pintei no final da década de oitenta e início dos anos noventa. Os dilemas estão sempre presentes, mas não podemos viver de rigores. Bem, o que importa é que hoje minha pintura tem outro tipo de abordagem. Mesmo dentro do figurativismo, fato que não adianta discutir, pois sou figurativista obstinado, o tratamento técnico e conceitual não é o mesmo da época em que fiz esses trabalhos.
 

 







 




 
 
 

 


 
 
 
 
 
UMA FASE METAFÍSICA...
 
    Jamais pretendi ser um pintor surrealista, mas pensei uma linha alternativa ao meu trabalho clássico, por uma necessidade estética qualquer, que ficasse distante dos aspectos  e estereótipos do surrealismo tradicional. 
    Tentei um estilo ontológico, metafísico, com mais "respeito plástico", opondo-me às soluções medíocres e apelativas, tão comuns à natureza dos signos surreais.
   Chamei esse estilo de "realismo neometafísico" e considero uma experiência plástica perfeitamente plausível, pois está calcada sobre uma vida inteira de profunda honestidade profissional. Só não prossegui nessa linha porque, como no passado, achei que cairía no lugar comum surrealista.
     

 Esta foi a minha experiência pictórica com o "neometafísico",
"Em busca do tempo perdido" - 2009 - OST
                         
 
    



terça-feira, 16 de setembro de 2014

A INDÚSTRIA DA FÉ

    Uma das grandes preocupações que marcaram minha vida foi a exploração do povo pelos mercadores da fé. Jamais consegui compreender o porquê do cinismo de milhões de líderes religiosos que enriquecem por sugar o sangue e a individualidade dos ingênuos. Há os que matam o corpo, mas também existem os que desmantelam os sonhos e a alegria daqueles que um dia colocaram suas vidas aos pés de uma divindade ou de qualquer um livro convencionado santo.
    Em 2007, publiquei A indústria da fé, que foi a confirmação escrita dos rumos ontológicos e existenciais tomados por mim nos últimos vinte anos. Pelo temor do desconhecido, fiquei silente por anos a fio. Vítima que fui no passado da escravidão do sectarismo, explorado pelos abutres que permeiam o mundo da fé, achei que era o momento de denunciar o tráfico fideísta, o marketing da fé, que se desenvolve como metástases nos dias de hoje.
    Neste livro, mostro ao público o encarceramento do nosso mundo perceptivo, imposto pela mentira de séculos - o sectarismo. Justamente esse nosso mundo perceptivo, de que tanto nos gabamos, na maioria das vezes, não passa de um imenso desvio cognitivo... Desvios que se instalam na mente e, através da confirmação emocional da crença, causam estragos irreversíveis à nossa existência.  

Meu livro de filosofia crítica da religião - publicado em 2006
 
    A partir desta obra, interessei-me pela filosofia de uma forma definitiva. Diga-se de passagem, com foco acentuado na filosofia crítica da religião. Em breve, estará disponível meu segundo trabalho do gênero, já concluído, onde faço uma análise minuciosa da origem do judaísmo, do cristianismo e da própria Bíblia. Sobretudo, da finalidade do clero em perpetuar a teocracia através dos séculos...
    Sobre a capa acima, parti de um design simplificado e, ao invés de usar um trabalho meu, preferi que contivesse a obra de um dos artistas do século dezenove que mais admiro: Honoré Daumier. Gênio do desenho, jamais usou modelos para as suas composições. Era tudo de memória mesmo! O improviso, o imprevisto, o patético... Um verdadeiro mergulho na existência humana - do sofrimento extremo ao teatro do mundo. Escolhi a presente aquarela, que bem ilustra o conteúdo do meu livro, a comédia do fanatismo religioso. Daumier desnuda os atores principais e coadjuvantes que montaram o palco das nossas representações religiosas.  Um artista que suportou uma vida de pobreza, fazendo ilustrações para o jornal francês Le charivari, explorado descaradamente, a ponto de não ter como pagar o aluguel da sua moradia... Não fosse a amizade do grande Monet, que lhe presenteou com uma casinha simples, onde viveu até os últimos dias, teria morrido de fome. Entretanto, apesar das adversidades, legou-nos uma obra monumental, impossível de ser ignorada pelos que propagam a ritualização do sem sentido.
 
Daumier - "Le peintre" - aquarela

Daumier - "La comedie française" - aquarela, crayon e giz

Daumier - "La gare Saint Lazare" - aquarela e crayon
 
Daumier - "O vagão de terceira classe" - óleo s/ tela
 
Daumier - "Connoisseurs" - aquarela e crayon contè
 
Daumier - "O vagão de terceira em 1860" - óleo s/ tela

Daumier - "Conselhos a um jovem pintor" - óleo s/ tela
 
 

 

A PENSÃO SERRANA

    Passava o ano de 1970 e eu não deixava de subir a serra de Teresópolis a cada fim de semana para ver minha namorada, com quem me casei. O roteiro era repetido - hospedava-me na Pensão Serrana do Celso Moreira. Um casarão antigo que ficava de cara para a pracinha do Alto, o bairro que era encantado na época. Até pela estação do trem, construída ali no passado. Certa feita, quando chegava do Rio, ao aproximar-me da entrada da pensão, assim chamavam as pousadas de ontem, ouvi a melhor interpretação da Polonaise em lá maior de Chopin desde que conheci a música. Era um pianista que se hospedava na casa sempre no início do inverno. Disseram-me que se tornara famoso na Europa, de onde fugira por causa da guerra. Mesmo no piano exausto do casarão, o velho músico operava maravilhas...
    Mas o ponto alto da pensão para mim, além de infinitos quadros de qualidade nas suas salas, eram as obras de Manoel Madruga. Grande mestre da pintura brasileira, nascido em Teresópolis, em 1872. Sua formação fora impressionante, pois tivera a sorte de sair do Brasil para estudar na École de Beaux Arts de Paris e na Academie Julien. Aluno de Jean-Paul Laurens - um dos maiores pintores de História de todos os tempos -, de Henri Rochefort e de Marcel Baschet, todos corifeus da escola pompier. Recuso-me a falar mais.
    Entrar na Pensão Serrana era um voo metafísico. Então, invariavelmente, depois de deixar minha bagagem no quarto, deslizava até um canto do salão, atrás de uma escada, onde ficavam as aquarelas históricas de Madruga... Naquela luz quebrada do canto mágico, eu passava muito tempo olhando as jóias nas molduras de vidro. Sentia-me como se estivesse num hall silencioso do Museu de Leningrado, iluminado por um vitral diminuto.
    No salão, também podiam ser vistos vários quadros a óleo de Madruga e alguns de grandes dimensões. Mas as aquarelas... É isso mesmo. Temas de época. Justamente no momento da vida em que conheci o meu mestre Ivan Wasth Rodrigues. Poucos anos depois, aquela pinacoteca desapareceu. Só santo Antão pode dizer onde foram parar todas as obras de arte... Quanto a mim, ficou a lembrança de um tempo que poucos se importavam com a Polonaise de Chopin e sabiam viver de verdade. Sobraram-me quatro fotos em preto e branco que tirei no local. Não sei se a memória do cheiro existe, mas o da pensão permanece até hoje.
 
Manoel Madruga "La poule au pot" - aquarela

Manoel Madruga "O cerco da cidadela" - aquarela
 
Manoel Madruga "A taça de vinho" - aquarela
 
Manoel Madruga "Beco medieval" - óleo sobre tela
 
 




segunda-feira, 15 de setembro de 2014

TIEPOLO

    En passant, vale considerar sobre uma das formas de mensurar a grandiosidade de um artista e ela reside no poder dos seus esboços. Tomemos Giovanni Battista Tiepolo (1696-1770) por exemplo: seus esboços têm um vigor e imediatismo emocional tão pronunciado, que atingem a força das suas pinturas murais de grandes dimensões. Será que um mestre como ele poderia ser questionado quanto ao seu talento, independente da época em que viveu? A grande arte não se fixa em épocas ou estilos.
 
 "Ecce Homo" - aguada e bico-de-pena
 
"Santo Ambrosio" - aguada e bistre
 
"A fuga" - aguada sépia
 
"A construção do cavalo de Troia" - aquarela com toques de corpo (guache)

"Abrahão e os três anjos" - afresco (pintura final)
 
    Vale a pena analisarmos o craftsmanship de Tiepolo nos seus esboços, quando constrói as "massas" de luz e sombra, fazendo uso apenas da linha e manchando todo o resto com aguada, em uma demonstração genial de economia de que o menos é mais!
 
 

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

THE OLD-SCHOOL

    Sou um clássico incorrigível. Desde cedo, aprendi a admirar e respeitar a obra dos grandes mestres da pintura tradicional. Como consequência dessa fixação, esses valores ficaram sedimentados de forma indelével na minha existência. Por isso, hoje, sou apenas um pintor voltado para a tradição dos velhos mestres, o que já considero um privilégio, mas na constante teimosia de realizar apenas o que me dá prazer de pintar. Lembro-me de uma frase com fundamento sólido: “pinte o que você ama e ame o que você pinta”. Este princípio se fixou. Depois de uma vida inteira de batalhas contra a mediocridade estética, posso falar com segurança que só firmado neste axioma pude vencer as ondas da embromação do mundo da arte. Por isso, jamais abandonei os valores clássicos.
    No início da minha trajetória como ilustrador, década de 70, ainda cursando a Escola Nacional de Belas Artes e trabalhando em uma grande agência de publicidade, conheci um mestre do desenho – Ivan Wasth Rodrigues –, que me apontou o caminho da Old-school. Tornei-me seu aluno, mas só me dei conta da grandiosidade do mestre depois de anos de convívio, talvez por estar nessa época com a visão voltada para o mundo da publicidade e seus brilhos passageiros. Era o momento do Push Pin Studios, dos gigantes do design gráfico, a exemplo de Milton Glaser, Seymour Chwast, John Alcorn e dezenas de outros ilustradores famosos. Mas, nessa agência onde conheci Ivan, meu objetivo estético começou a tomar forma: surgiu em mim o interesse pela especialização em temas históricos, além de cultivar os gêneros tradicionais da pintura. Pintor ou ilustrador, não me importava muito com esses rótulos, uma vez que meu propósito na arte se cristalizava.

Ivan Wasth Rodrigues - "O último dos acadêmicos"  

    Naquele período de entusiasmos, imaginava-me um gênio da propaganda e acreditei que havia criado uma nova vertente dentro do surrealismo, que denominei de “realismo simbólico”. Pintei uma série de quadros nesse estilo para uma exposição e redigi um texto superficial para o convite. Palavras vazias sobre “a natureza da memória nos seus arcanos indecifráveis; a opressão da religião constituída com a sua voracidade perversa; o poder nas suas múltiplas formas de estupro da esfera personalíssima do ser e da riqueza da honra; o esvaziamento da moral rumo ao niilismo, ao vazio que toma conta de nós a cada dia e a ausência de sentido existencial que nos nadificou”... Teria sido apenas mais uma exposição com as falsas alternativas já conhecidas. O pior é que, para o meu desapontamento, descobri que o realismo simbólico já existia na Europa desde 1930 e não passava de um surrealismo desgastado... Acontece que eu não queria ser um pintor surrealista, pois jamais me identifiquei com a paranoia. Achava que o mercado de arte só aceitaria um trabalho que pudesse chamar a atenção do público, chocando a burguesia. Grande equívoco! O mercado sério e a crítica honesta cobram o compromisso profissional na pintura acima de tudo.
    Perdi o sono tentando encontrar um caminho. Procurei, então, Ivan Rodrigues e expus as minhas dúvidas estéticas, ao que o mestre retrucou: “Ronaldo, o que quer que você venha a fazer jamais poderá agradar a todos. Durante a minha vida nunca me dividi, só fiz o que acreditava e o que sempre pretendi foi seguir os passos do meu tio José Wasth Rodrigues. Não se divida na arte e você chegará aonde realmente importa”. Depois de ouvir Ivan, perguntei de forma ingênua: “Mestre, um esforço para desenvolver uma pintura comercial, paralela ao seu trabalho mais sério, não seria coerente?”. Foi aí que, pela primeira vez, pude vê-lo irritado quando me respondeu de imediato: “Ronaldo, sou um especialista e isto não se discute!”... Bem, ao analisar as palavras de Ivan joguei os convites no lixo, cancelei a exposição e desisti dos voos surreais apelativos.

 Aquarelas de Ivan Rodrigues

"A batalha de Campo Grande" de Ivan
"Bandeirantes" de Ivan

Aquarela de Ivan
    Resolvi estudar um pouco mais antes de me precipitar com exposições – agarrei-me ao clássico definitivamente. Tive passagem temporária pelos ateliês de grandes mestres, como Oswaldo Teixeira, estudando o modelo vivo; Edgard Cognat, a composição; Rui Campello, as técnicas do óleo e João Medeiros, a paisagem. Então, pela primeira vez, vi a arte com mais respeito. Mas foi com Ivan Rodrigues que me firmei no aprendizado mais longo. Entretanto, na medida em que convivia com o mestre, constatava o imenso grau de dificuldade para obter resultados satisfatórios com a aquarela e a base de desenho que ela exige. Não é à toa que ele jamais deixou essa técnica para se dedicar ao óleo. Sim, porque, se com as miniaturas em aquarela já é árduo cultivar o gênero histórico, quanto mais abordar tamanho desafio com óleos de dimensões maiores... Com Ivan, então, iniciei-me no desenho acadêmico e na aquarela, através da sua ótica extremamente crítica. Como se fosse hoje, tenho a lembrança do estúdio do mestre, com o seu cheiro característico, os milhões de esboços e livros espalhados que me traziam o sabor da História. Então, daqueles dias em diante, nunca perdi o interesse pela pintura de temas de época como meio de expressão artística.
    Nos anos seguintes, tentei pôr em prática meu objetivo. Conheci outro grande mestre na Editora EBAL, Monteiro Filho, o maior gênio do guache que já vira e que me orientou pacientemente nessa técnica. Depois, tornei-me amigo de mais um mestre excepcional, de formação clássica, Oscar Palacios, de quem recebi instruções por algum tempo na ilustração, mas que me incentivava a deixar a propaganda e caminhar na direção da pintura de forma profissional. Embora fosse um desenhista clássico acima da média, um excepcional realista, enveredara pelos atalhos do surrealismo, o que me fez desistir dos seus ensinamentos para evitar a perda do foco clássico.
    Na busca inquietante pelo que almejava, afastei-me da publicidade e fui parar nas editoras, trabalhando um bom tempo como designer e ilustrador, onde obtive maior sintonia com meu estilo. Comecei desenhando histórias em quadrinhos; capas de livros de autores célebres e ilustrando clássicos da literatura a nanquim, guache, aquarela, pastel, óleo, etc. Esse período foi fundamental na minha caminhada, pois me forçou ao exercício constante do desenho que aprendera com Ivan e outros mestres. Tentando fixar-me no caminho que escolhera, parei de atender aos diretores de arte que me pediam para imitar estilos de ilustradores famosos. Isto porque meu objetivo sempre foi a variedade de técnicas com unidade de estilo e não me tornar um imitador dos outros, uma colcha de retalhos de estilos diversificados dos anuários de arte da moda. Só desenhava através da minha visão. Bom ou ruim, mas apenas como sentia! Então, tempos depois, avaliando os resultados, abandonei a publicidade para me dedicar à pintura e, mais tarde, também à literatura.  
Páginas da Bíblia de minha autoria - coleção "Heróis da fé"
  
Páginas da Bíblia de minha autoria - coleção "Heróis da fé"
  

    Além dos gêneros convencionais da arte pictórica como a paisagem, a natureza-morta, o retrato, a figura humana, minha opção foi pela especialização em temas de época, pois, ao contrário do rumo de algumas tendências estéticas, sustento o fator narrativo como o cimento do meu trabalho. Este fator nunca deixou de ser um corolário, já que em mais de quinhentos anos de arte o elemento narrativo provou sua solidez. Assim, não posso errar baseando-me nos princípios da Old-school.

    Separemos o fator narrativo. O que faço em termos de pintura de época não é mera ilustração para um texto, são imagens independentes, que integram o universo das artes plásticas. A cada instante pode ser feita uma análise sobre a caracterização e os insights da natureza humana. Palavras à parte, pois minha pintura, embora com o cimento narrativo, revela o que não pode ser traduzido em palavras: o encontro com a essência da pintura. Falo aqui, tão somente, sobre prazer estético.
    O problema em justificar o figurativo realista é pela sua natureza vulnerável aos ataques, já que é algo absolutamente transparente ao público. Qualquer “erro” de execução, por menor que seja, será sempre alvo de críticas. Entretanto, tudo que envolve a figura humana, representa o desafio maior na arte, o ponto alto na pintura de cavalete, justamente pela dificuldade técnica, que torna o progresso tão demorado ao requerer, num longo caminho, humildade e paciência. Todo estudante de pintura precisa adquirir os fundamentos técnicos necessários para se intitular artista. Os grandes mestres tinham perfeita consciência de que o segredo do sucesso não depende apenas de inspiração, mas de muita disciplina aplicada na busca do domínio técnico. Hoje em dia, existe uma convenção equívoca de que seguir os passos dos velhos mestres representa um bloqueio à expressão própria... Falsa proposição! Só a intimidade com a técnica é que pode realmente expressar de forma plena a visão única e interior do artista sério.
    Sou mais um pintor de estúdio do que au plein air, porque meus quadros têm uma complexidade que precisa ser resolvida através de estudos e esboços preliminares. São pinturas laboriosas e a luz natural muda com muita rapidez, o que me obriga a dividir o trabalho em etapas: inside e outside estúdio. Mas existe um benefício nisso, pelo menos dentro do que faço, pois ao trabalhar no estúdio tenho mais possibilidade de usar a imaginação, de gerar impressões pessoais e explorar melhor a memória. Posso idealizar minhas composições sem a submissão ao improviso.
    Aceitei o desafio de não atender aos acenos da estrada larga, aos barulhos da moda. Por fim, libertei-me do conceito modernista de que tudo o que se faz sobre uma tela é válido. Arte jamais pode ser qualquer coisa e é por isso que me oponho frontalmente ao sofisma de que “não existe essa coisa chamada de arte, existem apenas artistas”... O domínio técnico da pintura é um fato e jamais poderá ser destruído pela falsa dialética dos que trilham o caminho fácil ou pretendem a anulação das etapas a serem percorridas no aprendizado sério.
    A perversidade dos cultores da arte sem técnica reside em encher a cabeça do neófito com o conceito nocivo de que tudo o que se pinta é bom e aceitável. Isso faz com que ele estacione e se torne preguiçoso, admitindo como arte qualquer coisa que aconteça sobre uma tela, geralmente acompanhada de discursos de estetas de mente atrofiada. O objetivo venenoso da pintura da moda é a “necessidade de autoexpressão” e não a verdadeira finalidade, que é comunicar algo mais universal ao expectador. Algo sobre a vida e não sobre os confusos postulados estéticos da nossa época, que não guardam nenhum interesse por parte do público. Como disse Da Vinci: “O supremo infortúnio é quando a teoria suplanta a técnica” e isso nós encontramos nas receitas insossas da arte sobre a arte.
    Quando abordo a questão da pintura de temas de época, minha preocupação, além dos requisitos básicos da arte tradicional e através da pesquisa acurada, é recriar um momento da História comprometido com a linguagem plástica. Então, vislumbro um espaço indeterminado de tempo, uma época qualquer e observo o sentimento humano através da minha janela particular, aberta para o cotidiano de tempos pretéritos.
    Meu objeto primacial é a linguagem da pintura. Contemplativa. Porém, como não poderia deixar de ser, a reflexão permanece entranhada como um fator inalienável à minha produção pictórica. Assim, preocupo-me, concomitante à pesquisa histórica, em captar a energia e o espírito de um momento que visualizo de um tempo ido, mas que permanece vivo para mim, simplesmente porque é o que ainda me diz algo no universo da pintura.
    O discurso desbotado de que a arte tem que retratar o seu tempo é muito relativo. Quem tem obrigação de retratar o seu tempo é o jornalista e não o pintor... Arte é mais do que algo que dependa do tempo presente. Através de uma execução técnica pessoal, tenho o pleno direito de me fixar em elementos do passado por achar pobre o que vejo no presente. Direito de autor. Talvez pela ausência de sentido no mundo que vejo hoje, eu encontre o sonho na reconstrução do passado.
    Não me traria satisfação usar a pintura para espernear com mil protestos, expressar a revolta por um mundo deteriorado, ou me debater para denunciar uma situação caótica e irreversível desse próprio mundo. Para “dizer” as coisas, protestar, questionar, existe a palavra. Faço isto com o texto. O que pesa na minha filosofia de arte é a linguagem da própria pintura, é a luz determinando as cores com suas infinitas variações. Assim como a música, na sua qualidade pura, não tem que dizer nada, mas expressar apenas um sentimento subjetivo pela associação dos sons. O mesmo ocorre num quadro com a associação de formas e cores.
    O vasto acúmulo de detalhes que compõem o universo do gênero histórico, com a honestidade da pesquisa própria, é o que confere autenticidade a esse tipo de arte. Invariavelmente, é um processo que envolve contatos com especialistas, museus, bibliotecas e livrarias temáticas. Para alguns críticos isso poderia caracterizar ilustração, mas é o que me preocupa menos. Entretanto, dependendo do meu conceito inicial, quando me interessa, também sei ficar distante dos elementos que podem parecer ilustração. Abordo os intrincados problemas da luz, da composição pura, da caracterização, buscando resultados através da visão penetrante e do sentimento profundo.
    No mundo de hoje, tudo pode ser representado pela arte tradicional: o amor, a guerra, o trabalho, tensões sociais, a solidão, a paz, o desespero e o sagrado. Embora um quadro não valha pelo que represente, mas pela emoção e interpretação do seu autor, os temas muitas vezes estão presentes na arte oriunda da tradição. Essa arte é muito forte, pois se perpetua quando existe a sublimação do humano, do ofício e do significado técnico.
    Não é preciso desconstruir a tradição de séculos de pintura para se expressar com grandiosidade, como o ingênuo que se acha capaz de demolir o edifício da tradição clássica. Até já virou refrão o dito superficial de que a forma tem que ser diluída, pois, para reproduzir a natureza, já foi inventada a fotografia... Só que os mestres do passado, como os do realismo contemporâneo, nunca pretenderam reproduzir simplesmente a natureza, mas interpretá-la e isso não está ao alcance de qualquer tipo de máquina. O olho se diferencia bastante da lente de uma câmera, ele é seletivo e perfeito. Não é à toa que Cézanne declarou: “Monet é apenas um olho –, mas Deus meu, que olho!”.
    O realismo foi interpretado erroneamente ao longo do século vinte como uma arte imitativa. Entretanto, os grandes realistas conseguem atingir o maior poder de força criativa entre todas as outras escolas de pintura. Exatamente por isso, é o estilo mais desprezado por aqueles que não têm a coragem necessária para se aproximar de tal realização... Acusam o realismo de ser fotográfico, só que a visão do pintor realista é o oposto do que faz a câmera. A foto achata, distorce a imagem, reduzindo as suas relações de tom, cor e matiz, ao estabelecer um resultado mecânico. O pintor experiente identifica nuances, valores e relações tonais da natureza, com um olho treinado para isso. O verdadeiro tema do pintor realista é a sua própria fluência pictórica, por isso, ele consegue projetar suas nuances de visão numa imagem pintada. Perceber uma obra clássica de valor significa dar um mergulho no mundo pictórico dos grandes realistas que dominam o poder da ficção.
    Na verdade, o que importa é como se pinta e não o que se pinta. Para percebermos a grandeza de uma obra de arte, não precisamos de discursos com palavras fortes que dão impressão de conteúdo. Não precisamos de discursos surreais, nem de personagens gritando tal qual o universo de Munch, ou formas apelativas de cabeças saindo do mesmo corpo como demonstração da dualidade dos gênios... Nada disso, mesmo porque os “ismos” esgotaram as novidades na pintura de cavalete e pretendo manter distância de qualquer compromisso com a abertura de novos caminhos estéticos.
    Para sentir a profundidade na arte, não precisamos de imitadores de Francis Bacon, de Redon, de Chagal ou Blake, nem de trucagens oníricas tão comuns aos filhotes de Dalí. Então, resolvi pintar da forma que aprendi, de maneira simples, mesmo sabendo que não estou no caminho das novidades. É nas sutis variações técnicas nascidas da tradição que vamos encontrar uma chance de realizar algo com algum tempero de originalidade, pois só assim a alma passa a estar no controle da execução. Tudo se resume na interpretação pessoal: ideias quase todos têm, mas é a execução com conhecimento que determina a qualidade da arte. Por isso, rejeito a “profundidade” dos estetas modernos.
    Não se pode preterir a formação ancorada aos valores técnicos e estéticos da Old-school, onde a natureza é a maior mestra na formação da sua prole de seguidores. Quanto à pintura histórica, trata-se do gênero considerado como dos mais difíceis, visto que exige formação específica do artista. Os temas de época levam o pintor a uma dedicação monástica através das etapas de documentação historiográfica, pois requerem uma fidelização inevitável à iconografia, sem a qual a autoridade histórica tende a se esvaziar. Em nossa época, testemunhamos o talento de grandes pintores de temas históricos: Tom Lovell; Stanley Meltzoff; Ben Stahl; Frank Reilly; Robert Thom; Dean Cornwell; John Stobart; Morton Kunstler; Don troiani e centenas de grandes mestres comprometidos com um gênero pictórico sustentado por séculos de tradição na grande arte. Incontestável.
    Talvez por perceber com clareza os atalhos do charlatanismo intelectual, minha visão estética tenha se voltado para os clássicos desde cedo. Aprendi a ver que toda a crítica questionável preconiza a rejeição da forma em favor da aparência de conteúdo, logo essa mesma crítica vai rejeitar também a excelência técnica e, como consequência, promover a ritualização do sem sentido, da banalidade. Por essa razão, a excelência da arte não é o discurso vazio, é a excelência artística plena dos seus requisitos tradicionais. Desta feita, não quero ser confundido com artistas que usam argumentos anêmicos para dar sustentação a qualquer coisa que resolvem chamar de arte. O que marca meu trabalho é o compromisso com uma pintura séria no que se refere aos seus cânones tradicionais. Até que eu poderia usar o desenho para criar formas oníricas que pudessem agradar a um público menos atento, mas não adianta, pois ninguém pode expressar o que não tem. Portanto, arte não é só uma questão de mercado. Nunca será. Arte é a medida direta da visão espiritual do homem e isso envolve mais do que o dinheiro. Não é à toa que George Sand disse que ninguém pode fazer de um homem o que ele nunca pretendeu ser.
    Um pintor jamais poderá transmitir a sua mensagem se for impotente para expressá-la com a mesma verdade técnica que nos legaram os mestres do passado. O sentido técnico e estético foi o fundamento das obras maravilhosas da antiguidade. Aqueles mestres somaram à faculdade de criar uma larga experiência e profundo virtuosismo. A expressão do gênio se tornou possível pela solidez da execução, logo, o pintor que se prende a qualquer outro trabalho que não seja o simples manejo do pincel e renuncia aos conhecimentos técnicos da própria pintura, se desenvolve sobre uma base falsa de areia movediça. O pintor honesto percebe que a técnica contém recursos infinitos, muito mais ricos que os sistemas e teorias abstratas que os gênios-plásticos fundamentam as suas conquistas...
    Alguns estetas sustentam a tese de que devemos repudiar a obra dos artistas que cabalmente se alicerçam no tratamento do tema e na técnica. Ensinam que precisamos, a todo custo, descobrir o que o pintor pretende dizer com o seu trabalho. Entretanto, volto a insistir que, se o artista pretende dizer alguma coisa, que o faça em prosa ou verso. Tentar “dizer” significa que ele talvez tenha falhado, pois uma obra de arte não tem necessariamente que dizer nada. Uma pintura é feita de imagens que, quando associadas, geram um sentimento completo. Ela pode ser gritante ou tranquila, suave ou agressiva, calma ou excitante, clara ou escura. O expectador não deve ir atrás do que significa o quadro ou até do que o artista queira dizer. Ao contrário, o expectador deve investigar como o pintor criou a obra e isso não significa somente técnica. O “como” envolve as escolhas que o artista fez para estabelecer os seus meios, unificar as imagens e chegar ao seu estilo. Entretanto, se o pintor precisar dizer algo espiritual, social ou político, que o faça sem perder a visão principal da sua interpretação.
    A pintura se esvaziou na busca paranoica pelo individualismo, pois, quase sempre, a originalidade é a primeira manifestação de uma futura vulgaridade. Ticiano era completamente diferente de Rafael e Rubens tinha um caráter oposto ao de Velázquez. Nenhum desses artistas estava deliberadamente fazendo uma escolha com o objetivo de expressar sua personalidade. Isso acontecia incidentalmente, tal como nos expressamos nas nossas atitudes, realizações e até na nossa própria caligrafia. O principal para eles não era o tema que pintavam e, sim, como o pintavam. A preocupação maior dos mestres do passado não era com o individualismo ou com a expressão. Comprometiam-se com o profissionalismo, apuro técnico e com a excelência artística. Foram mestres da pintura e, assim, se expressaram grandiosamente. Não criaram obras-primas pensando em produzir novidades e o estilo deles foi construído de forma natural.
    Sabemos que não há nenhum substituto eficaz da verdade, nem nada tão duradouro como ela. Por esse motivo, estou absolutamente seguro de que o realismo, enquanto significar “qualidade de existência” sobreviverá a todas as outras formas de pintura. Não podemos convencer ao expectador de que, ao que a ele parece uma deformação da verdade, seja o certo e o apropriado. Se, entretanto, dissermos a esse expectador a verdade tal como é conhecida por ele, será mais fácil encontrá-lo na metade do caminho.
    Os artistas do passado eram grandiosos porque compreendiam profundamente a natureza e as suas complexas manifestações. Então, a arte baseada na realidade viverá como esta vive, apesar de todos os argumentos contrários. Entretanto, sabe-se que, em todas as épocas, o talento foi ameaçado pelos medíocres... Não sendo à toa que o pintor Pietro Annigoni declarou: “Estou convicto de que a obra da vanguarda de hoje é o fruto envenenado de uma degradação espiritual com a consequência da trágica perda do amor pela vida”. Essa degradação é simplesmente o resultado da empulhação por conta de uma mídia à parte que tenta, ainda a todo custo, substituir os valores da pintura tradicional para cegar o público. Ora, tudo já foi feito na pintura de cavalete e a possibilidade hoje do artista ser original vai depender do seu domínio técnico, pois o talento só aparece através do controle dos meios.
    Quando dizem que o pintor realista apenas se repete, o que diríamos dos abstracionistas que insistem hoje em plagiar obras como as de Kandinsky, por exemplo, feitas no início do século vinte, mas com todo vigor e originalidade? Tudo se repete menos a natureza, onde encontramos a fonte das grandes obras de arte. Quero ser capaz de contar a história da humanidade através da sua gigantesca vulnerabilidade e pintar a luta que o homem trava, desde os seus primórdios, para construir algo mais permanente do ele próprio.
    Quando o expectador contempla um quadro realista e afirma: “É lindo, parece verdadeiro!”, não tem a menor ideia do acúmulo de conhecimento, da habilidade necessária para que o trabalho pareça verdadeiro. Logo, a manifestação artística com domínio só é possível quando se aperfeiçoam os meios de expressão. O importante é ver as coisas em suas reais relações de planos, tons, cores, proporção, perspectiva e luz. Não importa como manejemos esses elementos, desde que os resultados sejam corretos. A diversidade de técnicas procede dos modos individuais de se ver e executar, mas o problema é o mesmo para todos.
    A técnica é produto do autodesenvolvimento: é a ciência dos meios, base de toda grande obra. Aliás, o talento é o conhecimento do ofício. Arte sem técnica é a amputação do Belo, obra de falsos moedeiros e anões estéticos. Sobre isso, Renoir nos deixou a lição: “Não há nada fora dos clássicos. Para agradar a um estudante, mesmo ao mais opulento, um músico não pode acrescentar outra nota às sete existentes na escala. Deve sempre voltar à primeira. Pois a mesma coisa acontece na pintura”.
    Quando fiz minha escolha profissional como pintor, visando o realismo, não busquei os sedutores e surreais ventos da moda, uma vez que seria muito mais fácil vender para os esnobes, embora por pouco tempo. Tampouco, intimidei-me com ameaças do tipo: “os críticos não gostam dos clássicos incorrigíveis, dos narrativos do desenho que ‘contam histórias’ e se parecem com ilustradores”... Não me intimido, pois os críticos que têm estatura profissional não dizem bobagens. São mestres na análise pictórica e sabem da sua responsabilidade social.
    Só os voluntariosos lutam pelo que acreditam, enquanto os que praticam a fuga noturna acusam os artistas que realmente sabem desenhar de ilustradores, narrativos, desferindo sobre eles ataques insidiosos, porque se sentem ameaçados por algo descoberto há centenas de anos: o desenho clássico. A Capela Sistina, então, deveria ser classificada como arte comercial, uma vez que foi realizada por designação de um propósito específico e, nesse caso, seria ilustração, encomenda. Mas, quanto a mim, já que Michelangelo fez ilustração, é uma grande oportunidade de ter um mestre acima de qualquer suspeita, portanto, uma ótima companhia...
    Famoso internacionalmente como pintor e ilustrador, Robert Fawcett rejeitava qualquer linha divisória entre arte comercial e fine art: “Em New York, arte na Quinta Avenida é fine, já na Madison ou na Avenida Lexington é comercial... Uma vez que essa distinção foi arquivada pelos esnobes como regra de ouro, acho que não devo perder mais o meu tempo com considerações tolas. O que faço é fine art”.
    Fawcett acreditava que a qualidade de uma pintura não poderia ser determinada pelo fato de estar pendurada na parede de um museu ou impressa numa revista. Um ilustrador pode criar fine art, assim como um pintor de galeria pode produzir uma arte medíocre. Ilustradores, quando artistas de fato, são livres para buscar a qualidade mais elevada nas suas pinturas: “A causa da ilustração é mais bem servida pelo artista que alcança a dignidade ao ver a si mesmo como membro de uma profissão que data dos tempos de Albrecth Dürer. O artista deve saber que, para alcançar a estatura de um fine illustrator, tem que ser uma pessoa de grande cultura e inteiramente devotado à sua forma de arte...”.
     Fawcett dava de ombros aos discursos abstratos e teorias confusas dos pintores de galeria que desprezavam a ilustração, acusando-a como se fosse algo inferior. Replicava que essas reivindicações pelo bom-gosto esmagavam a verdadeira criatividade: “O ato criativo na arte envolve um tipo de coragem que o ‘bom-gosto’ pode facilmente modificar. No desenho, um excesso do que nós achamos ser bom-gosto, só pode resultar num produto anêmico e, a mais vulgar afirmação, resultar num efeito estimulante para os esnobes”.

Robert Fawcett - "Sherlock Holmes"

    A investida do esnobismo contra os artistas figurativos do século vinte confundiu o público, pois os estetas venenosos negaram que ilustradores pudessem produzir autênticas obras-primas. Porém, multidões de pintores contemporâneos, totalmente destituídos de técnica, são usados pela mídia maliciosa para se ocupar, ingenuamente manipulados, da produção de toneladas de puro lixo estético e amparados pelos famosos discursos para convencer os amantes da arte. Mas esse público cansou de ser embromado.
    Jamie Wyeth, pintor excepcional (neto do magistral Newell Convers Wyeth e filho de Andrew Wyeth), reagiu aos comentários maldosos da crítica ao seu approach clássico, declarando que permanece orgulhoso da sua herança técnica na pintura e recompensado com o ressurgimento da arte representativa nos últimos anos. Disse mais: “Considero um elogio ser chamado de ilustrador. Alguns dos maiores pintores do mundo foram ilustradores, Degas, Rembrandt... Se você se motivar por uma história, ou por alguém que você conhece, acho que no fundo tudo é a mesma motivação. Por que isso é visto de forma tão diferente?”. Seu pai, Andrew, já sofrera perseguições da mídia perversa por causa da magnífica série Helga. Uma foto sua foi publicada na capa de uma grande revista com a chamada: “Andrew Wyeth, gênio ou ilustrador?”. Só que essa revista teve a merecida recompensa com o repúdio e a resposta inconformada do povo americano.   

Newell Convers Whyeth


Newell Convers Whyeth

    Quase toda a pintura a partir do século vinte é em torno da arte sobre a arte. O que sobrou da estética que a crítica parda produziu, a invenção da arte sobre a arte, simplesmente é a herança do caos em que nos encontramos hoje: uma gigantesca alternativa falsa! Foi por isso que descartei as teorias abstratas e confusas da arte sobre a arte, porque descobri sem esforço que as grandes obras do passado, antes de tudo, são obras de arte sobre a vida... Daí minha filosofia ser baseada na coisa vista, pois sou mais um lógico do que um romântico. Por isso, rejeito a “profundidade” dos modismos.
    Como resultado de uma grande ensaboada cerebral, somos ensinados a adorar os excêntricos ícones modernos sob pena de excomunhão intelectual. Curioso, mas ninguém nos ensinou a amar Michelangelo, Rubens, Rembrandt, Monet, Dostoievski, Proust, Bach, Mozart ou Chopin. Não é necessário, pois isso acontece de maneira natural. Assim, rejeito firmemente o dogma da novidade como a única virtude da arte, pois essa é a razão da falsa alternativa postulada pela pintura sem domínio técnico, a síndrome dos experimentalistas da retórica falaciosa. A embromação é adotada como instrumento de trabalho daqueles que primeiro enganam a si mesmos com todo pudor para, depois, enganarem o público despudoradamente. São os que afirmam com desdém que as uvas estão verdes justamente por não terem como alcançá-las...
    Os nomes emblemáticos dos que representam a arte sobre a arte, com os seus “descobrimentos” característicos, tornaram-se tão intocáveis como as paredes sacrossantas das catedrais. Criticá-los é como criticar os próprios cânones sagrados dentro da sede papal. Por isso, milhões e milhões de pessoas que têm aversão ao modernismo permanecem silentes pelo medo de arriscar um ponto de vista contrário, de parecerem ignorantes, enfim, da ameaça de excomunhão intelectual proposta pelo tribunal da inquisição da banalidade estética. Então, vivem sob o signo do medo.
    Hoje, um público melhor informado já demonstra o poder que tem para reconhecer a beleza, a poesia e o verdadeiro significado da liberdade do retorno ao figurativo. Tudo isso pelo ressurgimento em larga escala da pintura figurativa, representativa, em todos os países do primeiro mundo: o realismo contemporâneo. Um novo renascimento, resultado da criação de inúmeras academias de arte clássica na Itália, França, Inglaterra, Rússia e Estados Unidos, no final do século vinte, aperfeiçoando os novos mestres do nosso tempo. O público já perdeu o medo de gostar do que é bom.
    Falando um pouco mais de arte sem técnica, certa vez conheci um artista que era consciente da sua embromação estética. Não era honesto consigo mesmo a ponto de estudar pintura com seriedade, afinco e método. Mas dizia: “quem não consegue fazer uma linha com significado e expressão, não é um verdadeiro artista”. Ele não conseguia isso, mas era considerado um grande pintor pela mídia, pois seus quadros podiam ser vistos de qualquer lado, até de cabeça para baixo, sempre significando a mesma coisa. Quanto a mim, sou apenas um artista tradicional, pois meus trabalhos só podem ser vistos através de um mesmo ângulo...
    Durante toda a vida, tentei conciliar forma e conteúdo para alcançar a síntese do realismo contemporâneo do século vinte. Nesse realismo, que no meu caso particular devido ao compromisso com os temas de época chamei de “realismo imaginativo”, sem a novidade esperada pelos modismos, está o resultado dos princípios promulgados pela velha escola, onde existe a preocupação do saber fazer realista, único meio de se dominar a construção da figura humana – the contrived picture. É uma tentativa de resgate dos valores clássicos contra a trivialidade das falsas conquistas dos que buscam impor modismos no lugar da verdade. Daqueles que fogem do difícil estudo da natureza, misturando-se à maioria dos que pensam a mesma coisa, mas que, na realidade, jamais chegam a pensar coisa alguma.
    Bem, minha escolha é fazer o que sinto com prazer e alegria, tentando ser feliz com isso. Dando o testemunho da minha presença no mundo, através de uma visão estética sólida e da compreensão de que arte é honestidade acima de tudo. Se esta escolha não é um meio seguro, um navio no porto está seguro, mas não é para isso que os navios são construídos.

 Alguns óleos de minha autoria dos anos 90



Série de cartões de temas históricos para a Telemar
publicados em 2001