quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

ARTE OU EMBROMAÇÃO?


Pablo Picasso

    Em 26 de abril de 1973, o jornal O GLOBO publicou uma reportagem perturbadora. Eu estava no início da carreira de designer e ilustrador, por isso as coisas ficaram confusas para mim...
    “Era Picasso realmente um pintor genial ou estava apenas com a sua revolução artística, tirando proveito da ‘imbecilidade, da vaidade e da concupiscência dos seus contemporâneos’? Não foram poucos, no mundo, os que se recusaram a ver no artista malaguenho qualquer dimensão de excepcionalidade e denunciaram a sua obra como farsante. Nesse grupo impugnador se incluía, surpreendentemente, o próprio Picasso. O seu autojulgamento de bromista, que ganhou celebridade e riqueza à custa dos basbaques das belas artes, está numa carta-confissão que endereçou ao escritor italiano Giovanni Papini, em 1952. Publicada no Diário ABC de Madri, a carta foi reproduzida pelo La Croix, de Paris, e aqui vai parte do seu texto, tal como foi publicado: Desde que el arte no es el alimento que nutre a los mejores, el artista puede ejercer su talento intentando todas las fórmulas y todos los caprichos de su fantasia y todos los caminos de su charlatanismo intelectual. En el arte, el pueblo no encuentra consolación ni exaltación, pero los refinados, los ricos, los ociosos, los destiladores de quinta-esencias, buscan en él la novedad, lo extraño, lo original, lo extravagante y lo escandaloso. Yo mismo he contentado, desde el cubismo y mucho antes, a todos esos criticos con todas las bromas que se me ocurrian y que ellos más admiraban cuanto menos las comprendian. A fuerza de ejercer todos eses juegos, esos rompecabeças y esos arabecos, yo me he hecho célebre rápidamente. Y la celebridade significa, para un pintor, ventas, fortuna, riqueza. Yo soy ahora, además de célebre, rico. Pero cuando me quedo a solas conmigo mismo no puedo considerarme un artista en el grand sentido que esta palabra tiene. Grandes pintores fueram Giotto, Tiziano, Rembrandt y Goya, yo soy solamente un bromista que ha comprendido su tiempo y ha sacado lo que ha podido de la imbecilidad, la vanidad y la concupiscencia de sus contemporáneos”.
    Sei que é difícil matar a fantasia, pois é o mito que move a humanidade e a religião é a maior prova disso. Mas quando Picasso morreu, eu já tinha passado pela Norton Publicidade, em 1971, no auge da idolatria por ele e me sentindo o gênio da publicidade... Estranho é que, tempos depois, comprei um livro, O pensamento vivo de Picasso, da editora Martin Claret e na página 32 estava exatamente o texto acima, publicado no jornal O GLOBO... Pois é, no seu diário íntimo, Picasso cuspiu na cara da sociedade hipócrita, comprou castelos e se tornou uma divindade! Só que bromista, em espanhol, quer dizer embromador...
    Aliás, para ser mais objetivo, a verdade é que no apagar das luzes do impressionismo a arte começou a perder o seu fundamento maior, o compromisso com a técnica. Foi Joseph Beuys quem falou a grande besteira: “Todo homem é um artista!”. Com isso, inaugurou-se a fase de que tudo feito em nome da arte, também era arte. Da alta cultura, a arte passou pelo senso comum e, nessa curva, migrou para um tipo de meio-conhecimento estético escamoteado com a finalidade de enganar os esnobes. A era dos discursos! Já falamos antes da cultura da ritualização do sem sentido. No final das contas, o palco foi montado para gerar rios e montanhas de dinheiro no século vinte. Inventaram a maior indústria de gênios da história... Portanto, o lodaçal de pobreza em que a arte contemporânea se atolou é o preço pela “liberdade” que ela desfruta. Arte hoje é mais um envolvimento atmosférico, olfativo e psicológico do que, propriamente, o envolvimento com os princípios que sempre nortearam a grande pintura. Não importa muito o que uma moldura envolve. Importa o colorido dos tubinhos de tinta; os cheiros diversos que são sentidos quando entramos nas galerias novas, como da tinta de plástico de alguma obra, ou da madeira de alguma instalação; as vedetes que se denominam artistas fazendo firulas e o monte de baboseiras discursadas enquanto se seguram copos... Enfim, os artistas não precisam saber pintar nem desenhar, basta que sejam interessantes para impressionar a plateia e que escondam muito bem a sólida fonte de indicação que os colocou no palco.
    Nessa época de publicitário, em que já desconfiava de Picasso, também descobri um mestre genial, que fazia parte da galeria dos grandes ilustradores americanos: Benjamin Albert Stahl. Um fato atraente é que o próprio Norman Rockwell declarou-se apenas um ilustrador diante de Ben Stahl, que considerava um grande artista: “We are but illustrators, Ben Stahl is among the Masters”... Curioso é que Stahl, não cristão – de origem judaica, pintou a via dolorosa mais sofrida e espetacular que já vi! Suas Estações são de uma força e sofrimento inigualáveis. É a prova de que o profissionalismo na arte não tem nada a ver com inspiração divina... Então, quando percebi a grandiosidade do artista que descobrira, diante das notícias que tive de Picasso e demais modernistas, fiquei perturbado. Na época, minhas indagações ainda eram ingênuas e infantis. Na minha cabeça não havia espaço para entender como um pintor tão famoso poderia se declarar um embromador e a mídia continuar rolando a bola de neve do charlatanismo intelectual. E todo aquele “blá-blá-blá” sobre centenas de quadros que a crítica tornara tão mágicos e sedutores? Era tudo mentira? Levou muito tempo depois disso para que eu pudesse entender... Assim, amadureci e descobri a mídia.
    Mas para reforçar que nem tudo está perdido, então, fica uma homenagem a Ben Stahl, a segunda vinda de El Greco.

Ben Stahl pintando as Estações para o Museum of the Cross










Stahl pintando a descida da cruz

Esboços para as Estações








Stahl no estúdio pintando um retrato



John Paul Jones na interpretação de Stahl
  
Stahl "Nativity"
  
Stahl pintando "Ben-Hur"
  
"Ben-Hur"
  
Stahl "Solitaire"
  
 
Stahl "Commodore Hornblower"

"Commodore Hornblower"

"Backstage"

"Cabaret"

Algumas ilustrações de época para "Seleções Reader's Digest"




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