ARTE OU EMBROMAÇÃO?
Pablo Picasso
Em 26 de abril de 1973, o jornal O GLOBO
publicou uma reportagem perturbadora. Eu estava no início da carreira de designer e ilustrador, por isso as
coisas ficaram confusas para mim...
“Era Picasso realmente um pintor genial ou
estava apenas com a sua revolução artística, tirando proveito da ‘imbecilidade,
da vaidade e da concupiscência dos seus contemporâneos’? Não foram poucos, no
mundo, os que se recusaram a ver no artista malaguenho qualquer dimensão de
excepcionalidade e denunciaram a sua obra como farsante. Nesse grupo impugnador
se incluía, surpreendentemente, o próprio Picasso. O seu autojulgamento de bromista, que ganhou celebridade e
riqueza à custa dos basbaques das belas artes, está numa carta-confissão que
endereçou ao escritor italiano Giovanni Papini, em 1952. Publicada no Diário
ABC de Madri, a carta foi reproduzida pelo La Croix, de Paris, e aqui vai parte
do seu texto, tal como foi publicado: Desde
que el arte no es el alimento que nutre a los mejores, el artista puede ejercer
su talento intentando todas las fórmulas y todos los caprichos de su fantasia y
todos los caminos de su charlatanismo intelectual. En el arte, el pueblo no
encuentra consolación ni exaltación, pero los refinados, los ricos, los
ociosos, los destiladores de quinta-esencias, buscan en él la novedad, lo
extraño, lo original, lo extravagante y lo escandaloso. Yo mismo he contentado,
desde el cubismo y mucho antes, a todos esos criticos con todas las bromas que
se me ocurrian y que ellos más admiraban cuanto menos las comprendian. A fuerza
de ejercer todos eses juegos, esos rompecabeças y esos arabecos, yo me he hecho
célebre rápidamente. Y la celebridade significa, para un pintor, ventas,
fortuna, riqueza. Yo soy ahora, además de célebre, rico. Pero cuando me quedo a
solas conmigo mismo no puedo considerarme un artista en el grand sentido que
esta palabra tiene. Grandes pintores fueram Giotto, Tiziano, Rembrandt y Goya,
yo soy solamente un bromista que ha comprendido su tiempo y ha sacado lo que ha
podido de la imbecilidad, la vanidad y la concupiscencia de sus
contemporáneos”.
Sei que é difícil matar a fantasia, pois é
o mito que move a humanidade e a religião é a maior prova disso. Mas quando
Picasso morreu, eu já tinha passado pela Norton Publicidade, em 1971, no auge da idolatria
por ele e me sentindo o gênio da publicidade... Estranho é que, tempos depois,
comprei um livro, O pensamento vivo de
Picasso, da editora Martin Claret e na página 32 estava exatamente o texto
acima, publicado no jornal O GLOBO... Pois é, no seu diário íntimo, Picasso
cuspiu na cara da sociedade hipócrita, comprou castelos e se tornou uma
divindade! Só que bromista, em
espanhol, quer dizer embromador...
Aliás, para ser mais objetivo, a verdade é
que no apagar das luzes do impressionismo a arte começou a perder o seu
fundamento maior, o compromisso com a técnica. Foi Joseph Beuys quem falou a
grande besteira: “Todo homem é um artista!”. Com isso, inaugurou-se a fase de que
tudo feito em nome da arte, também era arte. Da alta cultura, a arte passou
pelo senso comum e, nessa curva, migrou para um tipo de meio-conhecimento
estético escamoteado com a finalidade de enganar os esnobes. A era dos
discursos! Já falamos antes da cultura da ritualização do sem sentido. No final
das contas, o palco foi montado para gerar rios e montanhas de dinheiro no
século vinte. Inventaram a maior indústria de gênios da história... Portanto, o
lodaçal de pobreza em que a arte contemporânea se atolou é o preço pela
“liberdade” que ela desfruta. Arte hoje é mais um envolvimento atmosférico,
olfativo e psicológico do que, propriamente, o envolvimento com os princípios
que sempre nortearam a grande pintura. Não importa muito o que uma moldura
envolve. Importa o colorido dos tubinhos de tinta; os cheiros diversos que são
sentidos quando entramos nas galerias novas, como da tinta de plástico de
alguma obra, ou da madeira de alguma instalação; as vedetes que se denominam
artistas fazendo firulas e o monte de baboseiras discursadas enquanto se
seguram copos... Enfim, os artistas não precisam saber pintar nem desenhar,
basta que sejam interessantes para
impressionar a plateia e que escondam muito bem a sólida fonte de indicação que
os colocou no palco.
Nessa época de publicitário, em que já desconfiava de Picasso, também descobri um mestre genial, que fazia
parte da galeria dos grandes ilustradores americanos: Benjamin Albert Stahl. Um
fato atraente é que o próprio Norman Rockwell declarou-se apenas um ilustrador
diante de Ben Stahl, que considerava um grande artista: “We are but
illustrators, Ben Stahl is among the Masters”... Curioso é que Stahl, não
cristão – de origem judaica, pintou a via dolorosa mais sofrida e espetacular
que já vi! Suas Estações são de uma força e sofrimento inigualáveis. É a prova
de que o profissionalismo na arte não tem nada a ver com inspiração divina... Então,
quando percebi a grandiosidade do artista que descobrira, diante das notícias
que tive de Picasso e demais modernistas, fiquei perturbado. Na época, minhas
indagações ainda eram ingênuas e infantis. Na minha cabeça não havia espaço
para entender como um pintor tão famoso poderia se declarar um embromador e a
mídia continuar rolando a bola de neve do charlatanismo intelectual. E todo
aquele “blá-blá-blá” sobre centenas de quadros que a crítica tornara tão
mágicos e sedutores? Era tudo mentira? Levou muito tempo depois disso para que
eu pudesse entender... Assim, amadureci e descobri a mídia.
Mas para reforçar que nem tudo está perdido,
então, fica uma homenagem a Ben Stahl, a segunda vinda de El Greco.
Ben Stahl pintando as Estações para o Museum of the Cross
Stahl pintando a descida da cruz
Esboços para as Estações
Stahl no estúdio pintando um retrato
John Paul Jones na interpretação de Stahl
Stahl "Nativity"
Stahl pintando "Ben-Hur"
"Ben-Hur"
Stahl "Solitaire"
Stahl "Commodore Hornblower"
"Commodore Hornblower"
"Backstage"
"Cabaret"
Algumas ilustrações de época para "Seleções Reader's Digest"
Nenhum comentário:
Postar um comentário